Há 22 anos atrás António Sérgio (RIP) escrevia assim: E se inesperadamente, lhe batessem à porta? Aconteceu, nada inesperadamente, em pleno Verão de 88. Vivia-se, se não no auge, pelo menos na ascensão para o calvário das vidas vazias, onde um regime político cego apagava as velas da cultura com um sopro gélido, onde os valores promovidos socialmente eram a infantilidade do sucesso profissional, as mancas regras yuppy, o atolamento no show off das roupas de marca, nos carros de marca, nas jóias fake; na música de expressão popular, como seria de esperar, o cenário era de apaziguamento, de tabelas de venda, de sons e atitudes repisadas e repetidas até ao marasmo quase total.
E, no entanto, ouviam-se relatos díspares de que algo estava a acontecer; díspares, porque me lembro de amigos que falavam assombrados de um certo concerto, enquanto outros confessavam que a estética do som e da atitude assustava um bocado. Não se tratava de susto, verificámos depois no palco do velho RRV, mas de choque, isso sim. Eu próprio tive aquilo a que os ingleses chamam de mixed feellings. A audácia estava de volta aos palcos portugueses, em reacção às sucessivas violentações do meio social e mediático havia finalmente quem arriscasse uma resposta. Feita de fúria incontida mas ciente de que o inimigo exigia uma estratégia bem planeada, até acabar de borco no chão. Tudo levou o seu tempo mas hoje ao escrever estas simples linhas, sei que quem queriamos que baqueasse, baqueou mesmo e tão depressa não deixa de chafurdar no esterco que lhe compete. Tudo pareciam rosas fedorentas até que saíram à rua temas como E Se Depois, Oub' lá, Até Cair ou Sitiados. 1988 era o ano de ouvir "bater à porta"...
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