domingo, 17 de janeiro de 2016

Vontade - Rapha Festive500

Oito dias. Quinhentos quilómetros. A vontade e uma bicicleta de aço.


Onde vivo e nas redondezas imediatas não há montanhas. As redondezas são planas e recortadas por dezenas de cursos de água. Doce e salgada. Dos Rios e do Mar. Da Laguna da Ria de Aveiro. Não há altitude acima dos mil metros; apenas dois picos lhe tocam. Na Serra do Caramulo e na de S. Macário. Subidas a sério só a largas dezenas de quilómetros. Não há KOM's. Eu não tenho KOM's.


Não tenho o melhor e nem sequer o mais bonito equipamento. Não tenho o último grito em tecnologia ou um grupo topo de gama. Pedalo forte. Só de coração. De vontade.


Nem sequer tenho máquina fotográfica e o telemóvel com que guardo algumas imagens é velho e consegue fotografias de apenas 3M. Na minha retina absorvem-se muito mais que ficam para sempre na minha memória. Haja vontade...


Os primeiros quilómetros do Festive500 foram chuvosos. Uma chuva fria que deixou a estrada enlameada e o asfalto perigoso. Fujo muitas vezes para os trilhos da floresta, os singletracks sinuosos das colinas do meu quintal a poucas curvas de casa. A bicicleta de aço, construída por mim pouco a pouco e que matematicamente apelidei de RR01 . Road Race . A primeira de outras que quero ter. Um fiável SRAM Apex. Um par de rodas de entrada de gama. Uma forqueta de carbono. 1". E o Flite Titanium que me acompanha há 20 anos. Nas minhas bicicletas o meu rabo só conheceu este. Tive três. Tenho dois.
 

Aqui é onde a planície se esquece. A laguna e os rios largos ficam para trás e começa a subida da primeira colina. Afastando-nos dela e podemos subir o Caramulo e percorrer suas estradas sinuosas por entre aldeias ancestrais e onde o tempo e o silencio páram. Eu páro ali muitas vezes e comtemplo o círculo que me separa do horizonte em ângulo pleno de suspiro. Inspiro.



Para este desafio do Strava e da Rapha vinha com quase dois mil quilómetros em menos de dois meses. Entre o trabalho e a família sobra pouco tempo para pedalar, mas pedalo. Em Novembro usei ainda calções e jersey de manga curta. Em Dezembro tive dias quentes mas também frios e chuvosos e fui a algumas montanhas da redondeza.


Caramulo. Arestal. Boa Viagem é a Serra que beija o mar e está nas fotografias imediatamente acima. O Farol é o do Cabo Mondego e a Estrada do Enforca Cães percorre a orla marítima sobranceira. Bussaco. Só ali, nestas pequenas serras sinto o prazer de subir, ver a subida acumulada aumentar e serpentear estradas quase só minhas de tão calmas de trânsito e de paz.


Gosto de pedalar aqui. O asfalto é bom e o concentrado de percursos possíveis leva-nos num carrossel difícil de não se gostar. repete-se e nunca desilude. Tem segmentos bem difíceis. Íngremes. As descidas são rápidas e podem quase sempre acabar na Praia.



Vivo junto ao mar. Destas montanhas avisto-o sempre. Pinheiros. Florestas densas de dunas. Ali entre fragas e rochas; carvalhos, castanheiros... tristemente eucaliptos. À água daquele mar chegam as águas cristalina daqui. Riachos, ribeiros e pequenas quedas de água que correm lestas e espontâneas às primeiras chuvas e frios de Inverno tão recente. O frio esvai-se em vontade. 

A vontade que me impele. A vontade que me faz pedalar. Avanço. Firme como aço.